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Museus resgatam memória histórica e religiosa de Tiradentes

14 de dezembro de 2018

Pelo centro e arredores da cidade histórica de Minas Gerais espalham-se preciosos capítulos da história do Brasil. Muitos destes tesouros podem ser conhecidos pelos visitantes.

Com pouco mais de sete mil habitantes, Tiradentes, em Minas Gerais, está comemorando seu terceiro século de existência. Pequenina e repleta de encantos, é uma das cidades brasileiras que mantém praticamente intacto todo o seu valioso patrimônio histórico. São igrejas, casarões (muitos transformados em museus), calçadas estreitas e diversas outras construções erguidas a partir do início do século 18, quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal.

Foto por Istock/ Gilberto_Mesquita

Foto por Istock/ Gilberto_Mesquita

Nem é preciso andar muito pela cidade para desvendar essas preciosidades. O centro histórico de Tiradentes, por exemplo, guarda diversas delas: ruas inteiras calçadas com solteironas, pedras assim chamadas pelo fato de não se interligarem umas às outras, além de casas e solares coloniais com telhados que denunciavam a classe social e as posses financeiras de seus moradores: nas com telhados adornados por eira viviam famílias de bens.

Nas com eira e beira moravam os ricos, enquanto as com eira, beira e trigueira pertenciam aos milionários. As demais não ostentavam nenhum desses elementos. Nelas moravam os pobres, a maioria da população. Já os solares eram erguidos com a finalidade de servirem apenas de lar, enquanto sobrados abrigavam a casa onde a família vivia no andar superior. E, no piso inferior, funcionava a oficina de trabalho ou o comércio de propriedade dela.

Classes sociais e posições financeiras à parte, o fato é que Tiradentes vive, respira e transborda história. Algumas de suas obras arquitetônicas dos séculos 18 e 19 merecem ser conhecidas, quer pela sua beleza, quer pela importância histórica. Casos da Câmara Municipal (Rua da Câmara) e da Prefeitura Municipal (Largo das Forras), que funcionam em casarões do início do século 18.

Foto por IStock/ Willbrasil21

Foto por IStock/ Willbrasil21

Também merecem a visita a Ponte das Forras e o Chafariz de São José. Construído em 1749, este último fornecia água potável para a população e era o lugar onde os escravos eram vendidos. Destaque ainda para a antiga cadeia pública, para o solar onde viveu o inconfidente padre Toledo e para o Museu da Liturgia. A primeira hoje abriga o Museu de Sant’Ana, enquanto a segunda foi transformada no Museu Casa Padre Toledo. Já a sede do terceiro foi construída na primeira rua de Tiradentes.

Para quem gosta de aprender sobre as raízes brasileiras, curte cultura ou simplesmente é religioso, as três últimas construções são indispensáveis. O Museu de Sant’Ana, por exemplo, está instalado em um casarão histórico, na esquina das ruas Direita e da Cadeia, em frente ao largo do Rosário. Seu acervo pertencia à empresária Angela Gutierrez, que doou todas as peças de sua coleção para a montagem desse espaço dedicado à mãe de Maria.

Foto por reprodução museudesantana.org.br

Foto por reprodução museudesantana.org.br

São quase 300 imagens que representam a santa protetora dos lares, da família e dos mineradores. Elas forem sendo recolhidas pela empresária em suas andanças pelo Brasil ao longo de quatro décadas. As obras, eruditas e populares, foram produzidas em diferentes estilos, materiais e técnicas. A maior parte delas é assinada por artistas anônimos que viveram entre os séculos 17 e 20.

Além de imagens (muitas delas retratam Maria ao lado ou sentada no colo de Sant’Ana), a história do casarão, que data da primeira metade do século 18, também faz parte do museu. Ali funcionava a antiga cadeia pública, construída de maneira pouco usual para a época do Brasil Colônia, por ser separada da Casa da Câmara.

Ao entrar no casarão, é possível ver as grades originais nas janelas e também o calabouço, onde eram mantidos os prisioneiros. Apesar de suas grossas paredes e grades coloniais, o espaço, amplo e decorado em estilo contemporâneo, é equipado com elevador (as suas duas entradas são desniveladas em relação às ruas) e recursos tecnológicos – basta dar um clique nos painéis dispostos ao lado das obras, para saber a origem, autoria e obter informações delas.

O museu foi idealizado pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez, criado e presidido por Angela Gutierrez desde 1998. Foi inaugurado em 2014 e doado posteriormente ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Hoje, também é palco de exposições e palestras. Em seu interior funciona uma lojinha de objetos sacros.

O padre inconfidente

Por sua vez, o Museu Casa Padre Toledo é um solar setecentista que pertenceu ao inconfidente padre Carlos Correia de Toledo e Mello. Nascido em 1730 em Taubaté, então Capitania de São Paulo, o religioso, depois de concluir os estudos em Portugal (Europa), veio para o Brasil, onde foi vigário da matriz de Santo Antônio, em Tiradentes, à época conhecida como Vila de São João Del Rey.

Homem culto e liberal, o padre vivia com o requinte que a riqueza de Minas Gerais possibilitava a pessoas de seu status. De gosto sofisticado, tinha também muitos móveis pintados, como estantes, catre com cabeceira dourada… Os sobrecéus das camas, o encosto das cadeiras e os canapés e almofadas de portas ainda agora exibem detalhes em damasco carmesim, um corante vermelho-azulado produzido por um inseto.

O padre Toledo tinha dois escravos, a quem tratava com respeito, segundo contam durante a visita guiada ao museu. Mas um olhar mais atento ao quintal da casa revela que a mesma sorte não foi compartilhada pelos negros que ali moraram após o exílio do inconfidente. Ali ficam antigas senzalas. Escuras, com pouca ventilação e com ainda menos espaço, denunciam as insalubres condições que os escravos e as suas famílias viviam nos tempos em que o solar foi habitado por outros proprietários.

O padre tinha 59 anos quando foi preso, em 1789. Foi acusado pelo Acórdão da Alçada de convidar o seu irmão, Luís Vaz de Toledo Pisa, sargento-mor da Cavalaria Auxiliar, para participar do movimento para libertar o Brasil dos altos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa. Nos autos da devassa, ele confessou a sua participação na conspiração. Expatriado para Portugal, permaneceu encarcerado na Fortaleza de São Julião. Depois, foi transferido para uma prisão eclesiástica em Lisboa, onde veio a falecer.

Foto por facebook.com/MuseuPadreToledo

Foto por facebook.com/MuseuPadreToledo

Hoje, a casa do século 18 funciona como museu e reúne curiosidades sobre o religioso que participou ativamente da Inconfidência Mineira, resgatando também importantes capítulos da história do Brasil. A Sala do Cotidiano, por exemplo, sediou a primeira reunião dos integrantes da Inconfidência Mineira. E, ao contrário do que muita gente sabe e poucos livros ensinam, mulheres também participaram ativamente do movimento contra a Coroa Portuguesa.

Logo na entrada do museu, é possível ter acesso a uma mesa interativa com um mapa do local. Dos 15 cômodos, nove possuem forros (quase todos em gamela) pintados, algo que não era comum à época. O luxo da casa se compara às habitações de nobres em Portugal e a sua arquitetura e decoração são alguns de seus pontos fortes. Por isso, vale a pena percorrer calmamente todos os cômodos, observando cada detalhe.

As fundações do solar são de pedra e as paredes de moledo, material local fácil de talhar, enquanto a pedra-sabão (esteatita igualmente comum na região) foi utilizada nas vergas e ombreiras das janelas e soleiras das portas. Óleo-bálsamo, pereira, canela-sassafrás, tambu e canela preta foram as madeiras usadas no aparelhamento das vergas e ombreiras das portas internas. Vestígios de pintura indicam a decoração original nas paredes.

Além de seu belíssimo conjunto arquitetônico, o solar que desempenhou grande importância na vida social, política e cultural do Brasil Colônia expõe ainda uma obra atribuída ao Mestre Ataíde e uma colmeia com 18 espelhos. Seu interior também guarda uma exposição de peças da Coleção Brasiliana que integram o acervo da Universidade Federal de Minas Gerais e foram doadas por Assis Chateaubriand.

Espaço da fé

O Museu da Liturgia é uma atração imperdível para os católicos e para quem é adepto do turismo religioso. Logo em sua entrada estão dispostos pequenos “bancos”, onde é possível sentar e ouvir diferentes salmos bíblicos. No interior do “único museu dedicado ao tema na América Latina”, conforme orgulham-se os tiradentinos, estão reunidos interessantes (e valiosos) itens que compõem o rico acervo religioso do espaço.

São 420 objetos de uso litúrgico e de arte sacra, entre pinturas, esculturas, imagens de santos, ex-votos, objetos em metal e madeira e vestuário, muitos guardados por décadas dentro de sacristias e abandonados ao tempo. Além das peças em exposição, datadas dos séculos 18 ao 20, o museu conta também com material audiovisual e com uma loja de suvenires religiosos.

Foto por repodução museudaliturgia.com.br

Foto por repodução museudaliturgia.com.br

“Nosso objetivo é preservar a memória da vida litúrgica de Tiradentes, mas também queremos ser um museu vivo, dando aos visitantes o sentimento de pertencimento”, conta Rogério de Almeida, diretor da instituição religiosa. Para isso, o espaço promove diferentes atividades envolvendo a comunidade da cidade e da região.

Entre as iniciativas, “Uma Noite no Museu”, direcionada às crianças, e o “Café com Prosa”. Ao redor de guloseimas doces e salgadas, esta última reúne e incentiva as pessoas a contarem sua história de vida. Os depoimentos são gravados e as suas fotografias surgem em painéis interativos do museu.

Para janeiro do ano que vem está prevista exposição itinerante “A Liturgia vai até Você”. Integrada por sete painéis litúrgicos, a mostra, durante um mês, circulará pelo interior de 17 igrejas de Tiradentes e de municípios vizinhos, onde poderá ser vista. Enquanto isso não acontece, o museu recebe os visitantes. Ele está instalado em um casarão da rua mais antiga de Tiradentes, um motivo a mais para ser conhecido.

SERVIÇO

Museu de Sant’Ana: Rua Direita, 93, Tiradentes, tel. (32) 3355-2798, site: www.museudesantana.org.br. Com exceção das terças-feiras, funciona todos os dias, das 10h às 19h. Ingressos: R$ 2,50 (meia) e R$ 5 (inteira). Entrada gratuita para estudantes, professores e guias de turismo.

 Museu Casa Padre Toledo: Rua Padre Toledo, 190, Tiradentes, tel. (32) 3355-1550, site: www.ufmg.br/frmfa/museu-padre-toledo. Funciona de terça a sexta-feira, das 10h às 17h. Sábado, das 10h às 16h30. Domingo, das 9h às 15h. Ingressos: R$ 5 (meia, preço cobrado para estudantes, professores e pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e com deficiência) e R$ 10 (inteira). A bilheteria encerra suas atividades sempre meia hora antes do fechamento do museu.

Museu da Liturgia: Rua Jogo de Bola, 15, Tiradentes, tel. (32) 3355-1552, site: www.museudaliturgia.com.br. Funciona de segunda a quinta-feira, inclusive feriados, das 10h às 17h (encerramento da bilheteria às 16h30). Ingressos: R$ 5 (meia) e R$ 10 (inteira). Entrada gratuita para crianças menores de cinco anos e para os moradores da cidade.

Texto por: Fabíola Musarra

Foto destaque por Istock/ azgek

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