Do folclore ancestral à maior festa popular da Amazônia, o Festival de Parintins une tradição, rivalidade e espetáculo. Com bois Caprichoso e Garantido, a cidade se divide entre azul e vermelho em uma celebração que atrai milhares de turistas.
A cerca de 420 quilômetros de Manaus, às margens do Rio Amazonas, a cidade de Parintins se transforma todos os anos no epicentro de uma das maiores manifestações culturais do Brasil: o Festival Folclórico de Parintins. Mais do que um evento, é um verdadeiro ritual amazônico, onde tradição, arte, identidade e rivalidade se fundem em três noites de espetáculo.
A história do festival remonta às lendas ancestrais da região e à tradição do boi-bumbá, uma variante amazônica do bumba-meu-boi nordestino. A narrativa gira em torno de Mãe Catirina, uma mulher grávida que deseja comer língua de boi. Para atender a esse pedido, Pai Francisco, seu marido, mata o boi preferido do patrão. O conflito só é resolvido quando o Pajé aparece e ressuscita o animal. No contexto amazônico, a lenda ganha novos contornos: criaturas místicas, povos indígenas, rituais e cores que compõem um cenário típico da maior floresta tropical do planeta.
Foto por Arthur Castro
De arrecadação comunitária à Ópera da Floresta
O festival foi oficializado em 1965 por um grupo da Juventude Alegre Católica (JAC), que buscava arrecadar fundos para concluir a Catedral de Nossa Senhora do Carmo, padroeira da cidade. Inicialmente, o evento contava com apresentações de quadrilhas. E foi somente em 1966 que Caprichoso e Garantido foram convidados a participar. O encontro dos bois no festival consolidou uma rivalidade que ultrapassaria décadas e daria novo significado à cultura de Parintins.
Com o passar dos anos, o evento foi ganhando estrutura e projeção. Em 1975, a Prefeitura assumiu sua organização. Em 1988, foi inaugurado o Bumbódromo, o Centro Cultural e Desportivo Amazonino Mendes, com capacidade para mais de 30 mil pessoas. É lá que, todos os anos, Caprichoso (azul) e Garantido (vermelho) se enfrentam, em três noites de apresentações grandiosas, sempre na última semana de junho.
Caprichoso x Garantido: rivalidade que pinta a cidade
Foto por Maná Produções
Mais do que torcidas, os bois têm torcedores fiéis que se reconhecem como “encarnados” (Garantido) ou “marujeiros” (Caprichoso). Essa divisão atinge todos os aspectos da vida em Parintins: do uso das cores na roupa e na decoração, às marcas que se adaptam para não ferir a paixão local. É comum encontrar latas de Coca-Cola azuis e bancos como Bradesco e Santander dividindo sua identidade visual entre azul e vermelho.
Caprichoso e Garantido contam com temas diferentes a cada ano. Em 2025, o Caprichoso, atual tricampeão, apresenta o tema “É Tempo de Retomada”, inspirado na escritora indígena Trudruá Dorrico. Já o Garantido aposta em “Boi do Povo, Boi do Povão”, um tributo à cultura popular e à justiça social. A disputa é julgada por 21 itens que vão de apresentação musical e coreografia a alegorias, porta-estandarte, cunhã-poranga, sinhazinha, vaqueirada e tribos indígenas.
Foto por Maná Produções
Vocabulário do Festival: um idioma próprio
Para quem visita Parintins pela primeira vez, é importante conhecer o vocabulário do festival. Termos como “galera” (torcida), “marujada” (bateria do Caprichoso) e “batucada” (bateria do Garantido) fazem parte da narrativa. Outros personagens ganham destaque: o Pajé, a Cunhã-Poranga, a Rainha do Folclore, os Tuxauas, os Vaqueiros, o Amo do Boi e a Sinhazinha da Fazenda.
Estudos mostram que muitas dessas palavras são de origem indígena. Em 2015, uma pesquisa da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) revelou o crescimento do uso de termos indígenas nas toadas (músicas temáticas) do festival, principalmente a partir dos anos 1990. Isso reforça a função do evento como difusor da cultura amazônica.
Festival de Parintins 2025
Foto por Maná Produções
Neste ano, o Festival acontecerá nos dias 27, 28 e 29 de junho, e promete ser mais grandioso do que nunca. A cidade já vive a expectativa do evento, com ensaios, festas e visitas ao Museu do Boi-Bumbá e ao Mercado Municipal. Os currais dos bois também são pontos de efervescência cultural: a Cidade Garantido (Lindolfo Monteverde) e o Curral Zeca Xibelão (Caprichoso).
O acesso à ilha pode ser feito por avião – com voos regulares da Azul saindo de Manaus – ou por barco, em trajetos que duram de oito a 24 horas. Durante o festival, barcos-hotéis se transformam em opção de hospedagem e festa.
O impacto econômico e cultural
Mais de 120 mil pessoas visitaram a cidade em 2024. Para 2025, a expectativa é ainda maior. O festival movimenta toda a cadeia produtiva local: artesãos, costureiros, carpinteiros, figurinistas, músicos e dançarinos têm sua renda garantida com os preparativos e apresentações. O setor de serviços também se aquece, com crescimento na hotelaria, transporte e alimentação.
A visibilidade do evento cresceu ainda mais em 2024, com a participação da cunhã-poranga do Garantido, Isabelle Nogueira, no Big Brother Brasil, e o destaque de Marciele Albuquerque, do Caprichoso, em pautas ambientais.
Uma experiência que vai além da arena
Quem visita Parintins durante o Festival se encanta não apenas com o Bumbódromo, mas com a cidade como um todo. Passeios de barco pelo Rio Amazonas, visita a comunidades ribeirinhas, o contato com a fauna e flora local, além da culinária regional tornam a viagem inesquecível. O Museu do Boi-Bumbá é parada obrigatória para entender a dimensão simbólica da festa.
Já se prepare para 2026
Quem não conseguir participar da edição de 2025 pode acompanhar tudo pelas transmissões online e televisivas. E já começar a se planejar para 2026, já que hospedagens e passagens costumam se esgotar com meses de antecedência. Mais do que um evento, o Festival de Parintins é um convite à imersão em uma das culturas mais ricas e emocionantes do Brasil.
Seja Caprichoso ou Garantido, o importante é celebrar a Amazônia. Porque em Parintins, a cultura não é apenas tradição: é vida, é identidade, é futuro.
Texto por: Eliria Buso
Foto destaque por: Maná Produções